terça-feira, 26 de novembro de 2013

Hoje li um artigo sobre os reflexos da desaposentação no sistema previdenciário nacional, escrito pelo ilustre professor e advogado Fábio Zambitte Ibrahim, no qual o autor abordou a situação atual das demandas previdenciárias no sistema judiciário brasileiro.

No texto, o autor apresenta conceitos básicos do direito previdenciário a fim de concluir que a simples admissão da desaposentação já constitui grande avanço em direção à reforma previdenciária, na qual a mudança legislativa se faz imperiosa, uma vez que, atualmente, a interpretação estatal varia conforme sua conveniência.

Tal afirmação é confirmada pelas demandas legítimas apresentadas pelos segurados e seus dependentes visando à correção dos seus benefícios, ocasião em que o argumento oficial é o de proteção ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário.

Por outro lado, quando há necessidade de imposição de nova contribuição social, sem qualquer relação entre custeio e prestação, o argumento oficial é o da solidariedade, ainda que prejudicial aos segurados.

A grande maioria das demandas contra a Previdência Social refletem essa situação, nas quais os argumentos dos julgamentos variam conforme os interesses estatais. Dessa forma, diante da importância do tema aos profissionais atuantes no direito previdenciário, segue na íntegra o artigo: 


Admissão da desaposentação incentiva reforma previdenciária.

A desaposentação, nos últimos anos, tornou-se um dos temas de maior relevância no direito previdenciário nacional. Durante muito tempo, dominou as principais discussões e foi central em diversos eventos especializados. Nem sempre foi assim.

Quando escrevi a primeira obra sobre o assunto no Brasil, a discussão era bastante limitada e circunscrita a alguns círculos acadêmicos. Para minha surpresa, a recepção foi estupenda e, em pouco tempo, o tema espalhou-se país afora, tumultuando os tribunais com diversos pedidos.

Não pretendo, novamente, apontar as dificuldades e impedimentos que, em geral, a Administração apresenta como obstáculos à obtenção de novo benefício mediante a renúncia de prestação anterior, nem os contra-argumentos cabíveis. Para isso, remeto o leitor interessado à obra específica[1]. O que me impulsiona a escrever, novamente, sobre a desaposentação é, basicamente, um novo aspecto que, acredito, reforça a validade do procedimento, ainda que não expressamente previsto em lei.

O modelo previdenciário brasileiro – assim como todo o restante da América Latina – adota, em seus fundamentos, a dinâmica do seguro social, ainda que com certos temperamentos. Em resumo, tais modelos de previdência social têm, como características básicas, a contributividade do regime, a ausência de universalidade real, o financiamento por contribuições sociais e, por fim, a correlação entre a contribuição e o respectivo benefício.

Ou seja, a solidariedade, que é elemento inerente a qualquer modelo protetivo, existe, aqui, em grau menor, seja pela abrangência restrita – cobertura limitada a segurados e dependentes – seja pela necessária correlação custeio versus benefício, como exteriorizado no artigo 195, § 5º da Constituição de 1988. O modelo de financiamento, por contribuições sociais, ao invés de impostos, teria justamente a finalidade de restringir os encargos à clientela protegida, e não toda a sociedade.

Ao revés, em modelos universalistas de proteção, a cobertura é verdadeiramente ampla, não demandando atributos do seguro social, como filiação, qualidade de segurado e carência. Nesse sistema, tendo em vista a solidariedade em grau máximo, o instrumento tributário adequado é o imposto.

Pois bem, tendo esses aspectos conceituais em mente, nota-se, com facilidade, que a desaposentação, no Brasil, tem sua razão de ser. Tendo o segurado efetuado novas contribuições, após a aposentadoria, a premissa do sistema é a necessidade do recálculo, sob pena de atribuir, em contrariedade à Constituição, um modelo desconexo de proteção social, no qual se misturam elementos de modelos previdenciários diversos.

Infelizmente, é justamente o que ocorre hoje. Sempre que surgem demandas legítimas, de segurados e dependentes, visando incrementos e correções de benefícios, em contrariedade à interpretação estatal, o inevitável argumento oficial é, justamente, a natureza contributiva do sistema, com a estreita vinculação ao equilíbrio financeiro e atuarial, no qual a prestação somente existe com a rigorosa correlação com o custeio.

Por outro lado, quando surge nova imposição estatal, travestida de contribuição social, sem qualquer contraprestação estatal, o argumento onipresente, por parte Governo Federal, é sempre a solidariedade, a qual, nessa concepção parcial e tendenciosa, permitiria a redução patrimonial de segurados e dependentes mesmo sem qualquer contraprestação protetiva.

Ou seja, adota-se o fundamento que mais se adéqua às finalidades desejadas. Ao incrementar receita sem contraprestação, os fundamentos de modelos universalistas são apresentados. Já no momento de negar pretensões legítimas, as premissas são do seguro social, objetivando restrições a direitos legítimos e, também, sinalizar ao Judiciário a necessidade de submissão ao aspecto atuarial.

Dois pesos, duas medidas. É equivocada e desleal tal conduta, pois desvirtua as premissas do sistema de acordo com os objetivos desejados. É certo que o modelo previdenciário carece de ajustes, mas não será vulnerando o alicerce do sistema e expropriando o patrimônio dos segurados que isso se resolverá. A admissão da desaposentação, como tenho dito, além de necessária, servirá como incentivo à uma reforma previdenciária verdadeira.

Por Fábio Zambitte Ibrahim.”

Fonte: http://www.ibdp.org.br/noticias2.asp?id=1155