Hoje li um artigo sobre os reflexos da desaposentação no sistema
previdenciário nacional, escrito pelo ilustre professor e advogado Fábio Zambitte
Ibrahim, no qual o autor abordou a situação atual das demandas previdenciárias
no sistema judiciário brasileiro.
No texto, o autor apresenta conceitos básicos do direito previdenciário a
fim de concluir que a simples admissão da desaposentação já constitui grande
avanço em direção à reforma previdenciária, na qual a mudança legislativa se
faz imperiosa, uma vez que, atualmente, a interpretação estatal varia conforme
sua conveniência.
Tal afirmação é confirmada pelas demandas legítimas apresentadas pelos
segurados e seus dependentes visando à correção dos seus benefícios, ocasião em
que o argumento oficial é o de proteção ao equilíbrio financeiro e atuarial
do sistema previdenciário.
Por outro lado, quando há necessidade de imposição de nova contribuição
social, sem qualquer relação entre custeio e prestação, o argumento oficial é o
da solidariedade, ainda que prejudicial aos segurados.
A grande maioria das demandas contra a Previdência
Social refletem essa situação, nas quais os argumentos dos julgamentos variam conforme os interesses estatais. Dessa
forma, diante da importância do tema aos profissionais atuantes no direito
previdenciário, segue na íntegra o artigo:
“Admissão da desaposentação
incentiva reforma previdenciária.
A desaposentação, nos últimos anos, tornou-se um dos temas de maior
relevância no direito previdenciário nacional. Durante muito tempo, dominou as
principais discussões e foi central em diversos eventos especializados. Nem
sempre foi assim.
Quando escrevi a primeira obra sobre o assunto no Brasil, a discussão
era bastante limitada e circunscrita a alguns círculos acadêmicos. Para minha
surpresa, a recepção foi estupenda e, em pouco tempo, o tema espalhou-se país
afora, tumultuando os tribunais com diversos pedidos.
Não pretendo, novamente, apontar as dificuldades e impedimentos que, em
geral, a Administração apresenta como obstáculos à obtenção de novo benefício
mediante a renúncia de prestação anterior, nem os contra-argumentos cabíveis.
Para isso, remeto o leitor interessado à obra específica[1]. O que me
impulsiona a escrever, novamente, sobre a desaposentação é, basicamente, um
novo aspecto que, acredito, reforça a validade do procedimento, ainda que não
expressamente previsto em lei.
O modelo previdenciário brasileiro – assim como todo o restante da
América Latina – adota, em seus fundamentos, a dinâmica do seguro social, ainda
que com certos temperamentos. Em resumo, tais modelos de previdência social
têm, como características básicas, a contributividade do regime, a ausência de
universalidade real, o financiamento por contribuições sociais e, por fim, a
correlação entre a contribuição e o respectivo benefício.
Ou seja, a solidariedade, que é elemento inerente a qualquer modelo
protetivo, existe, aqui, em grau menor, seja pela abrangência restrita –
cobertura limitada a segurados e dependentes – seja pela necessária correlação
custeio versus benefício, como exteriorizado no artigo 195, § 5º da
Constituição de 1988. O modelo de financiamento, por contribuições sociais, ao
invés de impostos, teria justamente a finalidade de restringir os encargos à
clientela protegida, e não toda a sociedade.
Ao revés, em modelos universalistas de proteção, a cobertura é
verdadeiramente ampla, não demandando atributos do seguro social, como
filiação, qualidade de segurado e carência. Nesse sistema, tendo em vista a
solidariedade em grau máximo, o instrumento tributário adequado é o imposto.
Pois bem, tendo esses aspectos conceituais em mente, nota-se, com
facilidade, que a desaposentação, no Brasil, tem sua razão de ser. Tendo o
segurado efetuado novas contribuições, após a aposentadoria, a premissa do
sistema é a necessidade do recálculo, sob pena de atribuir, em contrariedade à
Constituição, um modelo desconexo de proteção social, no qual se misturam
elementos de modelos previdenciários diversos.
Infelizmente, é justamente o que ocorre hoje. Sempre que surgem demandas
legítimas, de segurados e dependentes, visando incrementos e correções de
benefícios, em contrariedade à interpretação estatal, o inevitável argumento
oficial é, justamente, a natureza contributiva do sistema, com a estreita
vinculação ao equilíbrio financeiro e atuarial, no qual a prestação somente
existe com a rigorosa correlação com o custeio.
Por outro lado, quando surge nova imposição estatal, travestida de
contribuição social, sem qualquer contraprestação estatal, o argumento
onipresente, por parte Governo Federal, é sempre a solidariedade, a qual, nessa
concepção parcial e tendenciosa, permitiria a redução patrimonial de segurados
e dependentes mesmo sem qualquer contraprestação protetiva.
Ou seja, adota-se o fundamento que mais se adéqua às finalidades
desejadas. Ao incrementar receita sem contraprestação, os fundamentos de
modelos universalistas são apresentados. Já no momento de negar pretensões
legítimas, as premissas são do seguro social, objetivando restrições a direitos
legítimos e, também, sinalizar ao Judiciário a necessidade de submissão ao
aspecto atuarial.
Dois pesos, duas medidas. É equivocada e desleal tal conduta, pois
desvirtua as premissas do sistema de acordo com os objetivos desejados. É certo
que o modelo previdenciário carece de ajustes, mas não será vulnerando o
alicerce do sistema e expropriando o patrimônio dos segurados que isso se
resolverá. A admissão da desaposentação, como tenho dito, além de necessária,
servirá como incentivo à uma reforma previdenciária verdadeira.
Por Fábio Zambitte Ibrahim.”
Fonte: http://www.ibdp.org.br/noticias2.asp?id=1155