terça-feira, 17 de novembro de 2015

Breves comentários à Lei nº 13.183, de 04 de novembro de 2015.



Breves comentários à Lei nº 13.183, de 04 de novembro de 2015.




A Lei nº 13.183/2015, publicada no último dia 04 de novembro, introduziu importantes modificações na nossa legislação previdenciária.

A primeira alteração se refere à inclusão da associação em cooperativa de crédito rural como situação que não descaracteriza a condição de segurado especial.

A segunda, e mais esperada pelos segurados e especialistas em previdenciário, decorre da possibilidade de exclusão do fator previdenciário no cálculo da Aposentadoria por Tempo de Contribuição.

Na Lei nº 13.183/2015 foi aprovada a inclusão do artigo 29-C na Lei de Benefícios da Previdência Social, conforme previsão da Medida Provisória nº 676. O texto, contudo, sofreu alteração no que se refere aos períodos de reajuste das fórmulas, que, antes, terminariam em 90/100 em 1º de janeiro de 2022.

Foi instituída, portanto, a famosa “Fórmula 85/95”, tão aguardada pelos segurados. Com a inovação, a mulher que contar, na data da aposentadoria, com a soma correspondente a 85 pontos, consideradas a idade e o tempo de contribuição, que não poderá ser inferior a trinta anos, poderá requerer a Aposentadoria por Tempo de Contribuição sem a incidência do (também famoso) fator previdenciário. 

O homem, por sua vez, terá que somar o total de 95 pontos, contada a idade e o tempo de contribuição, que não poderá ser inferior a trinta e cinco anos.

A cada dois anos, haverá majoração de um ponto chegando-se ao total de 90/100 em 2026, veja-se:

I
31 de dezembro de 2018
86/96
II
31 de dezembro de 2020
87/97
III
31 de dezembro de 2022
88/98
IV
31 de dezembro de 2024
89/99
V
31 de dezembro de 2026
90/100

A lei ainda prevê que os professores de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio terão reduzidos cinco anos no tempo de contribuição, desde que comprovado o exercício da função de forma exclusiva durante todo o período, sendo acrescidos cinco pontos ao resultado final.

A terceira modificação se refere a modificação do prazo para requerimento da pensão por morte, possibilitando aos dependentes o requerimento em até noventa dias a contar do óbito do instituidor para garantia do pagamento desde a data do falecimento.

Além disso, a lei também retira da Lei de Benefícios a necessidade de declaração judicial da incapacidade absoluta ou relativa para fins de recebimento de pensão por morte. Com a nova redação, o benefício deverá ser concedido ou mantido ao filho maior inválido ou irmão que comprovar invalidez ou deficiência intelectual ou mental ou, ainda, deficiência grave.

A lei, ainda, apresenta enorme avanço quando dispõe sobre a possibilidade de concessão ou manutenção da pensão por morte ao dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave que exerça atividade remunerada, inclusive, na condição de microempreendedor.

Por fim, a Lei nº 13.183/2015 inclui as entidades abertas e fechadas de previdência complementar nas hipóteses de consignação em folha de pagamento, obedecido o limite de 35% do valor do benefício, sendo 5% destinados exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito.

Ao final, a lei ainda introduz algumas alterações no regime de previdência complementar dos servidores públicos federais e na Lei nº 10.820/2003, que a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, para a inclusão das entidades abertas ou fechadas de previdência complementar.

Assim, infere-se que a Lei nº 13.183/2015 introduz importantes alterações à Lei de Benefícios da Previdência Social, especialmente no que se refere aos benefícios de Aposentadoria por Tempo de Contribuição e Pensão por Morte. 

A possibilidade de exclusão do fator previdenciário e a extensão da proteção da pensão por morte aos casos de maiores inválidos refletem positivamente na vida dos segurados do Regime Geral da Previdência Social.


Andressa Abreu da Silva, advogada.
andressaabreu.adv@gmail.com





quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A aplicação do princípio in dubio pro misero e a alegação de fraude previdenciária como fator determinante para as alterações legislativas prejudiciais aos segurados.

A aplicação do princípio in dubio pro misero e a alegação de fraude previdenciária como fator determinante para as alterações legislativas prejudiciais aos segurados.  

Andressa Abreu da Silva, advogada.

1. Apresentação do tema. 

A Lei nº 13.135/2015, resultado da conversão da Medida Provisória nº 664/2014, trouxe inúmeras alterações legislativas previdenciárias, as quais, em sua grande maioria, foram prejudiciais aos segurados

Entre as modificações mais significativas, estão aquelas ocorridas nos benefícios de pensão por morte, e, consequentemente, no auxílio-reclusão, e no auxílio-doença. 

Quanto ao benefício da pensão por morte, a nova lei determinou a necessária comprovação de um prazo mínimo de dois anos de casamento ou união estável para a concessão do benefício ao cônjuge ou companheiro do segurado falecido. Antes da lei, não havia qualquer prazo previamente estabelecido para que a companheiro ou cônjuge supérstite fizesse jus ao benefício previdenciário. 

Além disso, com a edição da Lei nº 13.135/2015, foi instituído um prazo mínimo de carência equivalente a dezoito contribuições para a concessão do benefício. Caso o segurado tenha falecido sem o cumprimento da carência, será devida a concessão de apenas quatro parcelas de benefício ao cônjuge ou companheiro sobrevivente. 

Ainda, quanto às alterações do benefício de pensão por morte, a nova lei extinguiu a regra da vitaliciedade do benefício. Atualmente, vigora a regra da temporariedade da pensão de acordo com a expectativa de vida do cônjuge ou companheiro. 

Com a mudança, o prazo de manutenção do benefício foi estabelecido de forma progressiva: quanto maior a idade, maior o tempo de concessão de benefício. A vitaliciedade da pensão por morte só permanece no caso do beneficiário contar com mais de quarenta e quatro anos na data do óbito. 

Frisa-se que as alterações que concernem ao benefício de pensão por morte, introduzidas pela Lei nº 13.135/2015, aplicam-se ao auxílio-reclusão, nos termos do artigo 80 da Lei de Benefícios – Lei nº 8.213/91. 

Por outro lado, a Lei nº 13.135/2015 também trouxe alterações no cálculo do benefício de auxílio-doença, estabelecendo um segundo teto previdenciário do valor deste benefício. 

De acordo com a nova previsão legal, serão realizados dois cálculos para o benefício. O primeiro é aquele previsto pelo artigo 29 da Lei nº 8.213/1991. O segundo levará em consideração a média das últimas doze contribuições do segurado. Ao final, far-se-á uma comparação entre os valores obtidos, não podendo o salário-de-benefício obtido pelo primeiro cálculo ser maior do que a média obtida no segundo. 

Assim, realizando-se a comparação entre os valores, caso o valor obtido pela média das últimas doze contribuições seja inferior ao montante obtido com o cálculo nos moldes do artigo 29 da Lei de Benefícios, o valor do benefício deverá corresponder a essa média (segundo teto previdenciário). 

Pelas alterações acima indicadas, as quais representam apenas alguns pontos específicos das modificações introduzidas pela nova lei, conclui-se que houve um grande prejuízo aos segurados. 

As alterações legislativas tiveram como finalidade inibir as irregularidades na concessão dos benefícios. Entre elas, as alegadas fraudes na concessão de pensão por morte, por ocasião de casamento ou união estável fraudulentos, bem como nos casos de eventual interesse do segurado na manutenção do seu auxílio-doença, em razão do valor do benefício, muitas vezes superior ao seu salário quando em atividade. 

De acordo com o Parecer nº 7 da Comissão Mista da Câmara dos Deputados, elaborada para examinar e emitir parecer sobre a Medida Provisória 664/2014, concluiu-se que a edição da mesma se deu pela seguinte razão: 

"O motivo alegado pelo Poder Executivo, além da questão fiscal, foi o de coibir comportamentos oportunistas, tais como o de um doente terminal, cuja família resolve proceder á filiação previdenciária, unicamente com vistas ao recebimento da pensão. Em conjunto com a adoção de limitações na duração do benefício, também se procurou desestimular as uniões de conveniência, em que o segurado de idade avançada formaliza um casamento ou união estável, com único propósito de deixar o benefício previdenciário a uma pessoa de sua escolha, como se fosse uma forma de legado."

Além disso, a implantação de um segundo teto para o cálculo do valor do benefício de auxílio-doença decorreu da necessidade de retirar o segurado em gozo de benefício por incapacidade do abrigo da Previdência Social, fazendo com que o mesmo sinta necessidade de retornar ao mercado de trabalho para recuperar a perda pecuniária que a percepção do benefício previdenciário lhe gera. 

Todas essas modificações geraram prejuízos aos segurados da Previdência Social, uma vez que esses indivíduos verteram contribuições previdenciárias para garantir o amparo da Previdência nos casos de vulnerabilidade social, seja em razão de morte, doença ou idade avançada. 

Nesse sentido, pretende-se neste artigo analisar as alterações previdenciárias introduzidas pela Lei nº 13.135/2015 à luz dos princípios norteadores do direito previdenciário, bem como abordar os instrumentos postos à disposição do INSS para coibir fraudes e irregularidades na concessão de benefícios. 

2. Dos princípios do in dubio pro misero e da Boa-fé objetiva. 

Inicialmente, cumpre-nos invocar que são inúmeros os princípios aplicáveis ao direito previdenciário, tanto os expressamente contidos na nossa Constituição Federal de 1988, quanto àqueles decorrentes de construção doutrinária e jurisprudencial. Contudo, tendo em vista o tema proposto para o presente artigo, abordaremos apenas o princípio in dubio pro misero e o princípio da boa-fé objetiva. 

O Superior Tribunal de Justiça vem aplicando aos processos previdenciários um princípio já conhecido pelos estudiosos do Direito do Trabalho, o chamado Princípio In Dubio Pro Misero. 

De acordo com o entendimento emanado pelo referido Tribunal, no julgamento de lides previdenciárias, faz-se imprescindível a análise das provas de forma mais favorável ao segurado, uma vez que este se encontra em situação de desigualdade com a autarquia previdenciária, estabelecendo uma situação de hipossuficiência processual. 

Abaixo, segue ementa da Ação Rescisória nº 1298/SP, julgada em 26/05/2010, relatada pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima, revisado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, no qual se infere a aplicação do princípio in dubio pro misero nas ações previdenciárias dos trabalhadores rurais: 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INCIDENTE DE FALSIDADE. DOCUMENTO CONSIDERADO FALSO. POSTERIOR APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE CASAMENTO DA PARTE AUTORA. CÓPIA AUTENTICADA. SUA VALIDADE. ART. 5º DA LICC. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. SOLUÇÃO PRO MISERO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. 1. O documento apontado como novo e que motivou a propositura da rescisória foi alvo de incidente de falsidade. Intimada a apresentar o documento original, sob pena de ser considerado falso, a autora deixou de fazê-lo. Ante a não exibição do documento original, é considerado falso o documento de fl. 90. 2. Não há por que desprezar a certidão de casamento posteriormente colacionada aos autos, que não teve sua veracidade inquinada. Apresentada cópia autenticada, sua validade deve ser reconhecida. Precedente desta Corte. 3. O fato de a certidão de casamento não ter sido apresentada no momento da propositura da ação não implica inovação quanto ao fundamento jurídico do pedido. Esta rescisória está fundada no art.485, VII, do CPC, que trata da rescisão do julgado ante a apresentação de documento novo, como ocorreu, in casu. No pertinente às ações que objetivam a percepção de benefício previdenciário, deve-se facilitar o acesso dos hipossuficientes à Justiça. A propósito, o art. 5º da LICC. 4. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça " desconsiderar a juntada de tais documentos após a contestação, dos quais foi dada regular vista ao INSS, seria fazer tábula rasa ao já mencionado princípio do pro misero e das inúmeras dificuldades vividas por esses trabalhadores, as quais refletem na produção das provas apresentadas em juízo" (AR 1.368/SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ 29/4/08). 5. A orientação jurisprudencial da 3ª Seção deste Superior Tribunal firmou-se no sentido de que os documentos apresentados por ocasião da ação rescisória autorizam a rescisão do julgado, embora já existentes quando ajuizada a ação ordinária. A solução pro misero é adotada em razão das desiguais condições vivenciadas pelos trabalhadores rurais. 6. O benefício pleiteado não foi concedido pelo aresto rescindendo porque a prova dos autos foi considerada como exclusivamente testemunhal. Existindo início de prova material a corroborar os depoimentos testemunhais, não há como deixar de reconhecer o direito da parte autora à concessão do benefício, em razão de documento comprobatório de sua condição de trabalhadora rural. Precedentes do STJ. 7. Ação rescisória julgada procedente. (AR 1.298/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/05/2010, DJe 28/06/2010). 

Aqui, imperiosa trazer a lição de MAURO SCHIAVI sobre a aplicação do referido princípio: 

"Não obstante, em caso de dúvida, o Juiz do Trabalho deve procurar a melhor prova, inclusive se baseando pelas regras de experiência do que ordinariamente acontece, intuição, indícios e presunções. Somente se esgotados todos os meios de se avaliar qual foi a melhor prova, aí sim poderá optar pelo critério de aplicabilidade ou não do princípio in dubio pro operario como razão de decidir. "

Nessa senda, entendemos como inadmissíveis as alterações legislativas a priori, uma vez que o segurado deve ser protegido pelas normas previdenciárias, tanto em razão de sua condição de hipossuficiente, quanto em face do poder da Previdência Social em averiguar as informações que lhe são apresentadas, devendo os casos de irregularidades tomados como exceções. 

Por outro lado, e não menos importante, vem sido aplicado pelos Tribunais Superiores o princípio da boa-fé objetiva do segurado, nos casos em que foi verificada a ocorrência de erro administrativo na concessão ou manutenção do benefício previdenciário. 

Sobre o tema, importa trazer sua conceituação pelo jurista MIGUEL REALE, citado por Rafael Schmidt Waldrich em sua obra: “A Boa-Fé Objetiva, portadora da confiabilidade e lealdade entre as partes, é pressuposto de validade de toda e qualquer experiência jurídica”.

Tratando-se de direito previdenciário, importa salientar que embora seu caráter contributivo, sua natureza é eminentemente social, eis que visa resguardar a sustento do indivíduo nos casos de morte, doença ou invalidez. 

Ainda que não esteja configurado o direito adquirido do segurado à percepção do benefício de acordo com a legislação vigente à época das contribuições, importa frisar que há uma expectativa de direito, quando não um direito expectado. 

Isso porque é comum um segurado possuir em sua “vida pregressa previdenciária” situações de altos e baixos, com vínculos empregatícios que possuem altas remunerações, bem como salários mais baixos, principalmente quando ocorre uma nova contratação, onde a remuneração inicial tende a ser mais reduzida. 

Nesse ponto, ensina RAFAEL SCHIMIDT WALDRICH: 

"Muito embora na expectativa de direito não haja direito constituído, quando o cidadão se vincula ao regime de proteção social, principalmente a proteção previdenciária, lhe é oferecido um rol de prestações e serviços. Nesta ocasião, o cidadão programa sua vida para alcançar os requisitos das prestações ora ofertadas. Mudar, no meio do caminho, de forma unilateral, os requisitos daquilo que foi ofertado no primeiro momento, certamente vai de encontro à confiança que o cidadão depositou no Estado, ferindo assim o princípio da Boa-Fé Objetiva. Mesmo trazendo eventuais regras de transição, estas, ainda assim, mudam o ‘contrato inicial’ firmado na ocasião da filiação."

Portanto, é incontroverso que a Previdência Social, devido seu caráter contributivo, faz com que o segurado aporte recursos no sistema de previdência para, ao final, fazer jus aquele direito previsto na ocasião das contribuições. 

Sendo assim, as alterações ora em análise nos parece estar em desacordo com os princípios deontológicos do direito previdenciário. 

3. Das razões para as alterações legislativas. 

A Exposição de Motivos da Medida Provisória 664/2014 refere como motivos para a implantação de prazo mínimo de dois anos de casamento ou união estável para concessão de pensão por morte ao cônjuge ou companheiro: 

"7. (...) é possível a formalização de relações afetivas, seja pelo casamento ou pela união estável, de pessoas mais idosas ou mesmo acometidas de doenças terminais, com o objetivo exclusivo de que o benefício previdenciário recebido pelo segurado em vida seja transferido a outra pessoa. (...) Para corrigir tais distorções se propõe que formalização de casamento ou união estável só gerem o direito a pensão caso tais eventos tenham ocorrido 2 anos antes da morte do segurado, ressalvados o caso de invalidez do cônjuge, companheiro ou companheira após o início do casamento ou união estável, e a morte do segurado decorrente de acidente.
(...)
20. Outro ponto a ser destacado e visando contemplar os mesmos requisitos a serem previstos para o RGPS, propõe-se que o cônjuge, companheiro ou companheira somente terá direito ao benefício, se data do casamento ou a união estável contar com pelo menos 2 (dois) anos após a data do falecimento do servidor. Tal proposta visa resguardar a concessão desse benefício aos dependentes do servidor que, de fato, tenham tido convívio familiar que gere a dependência ou relação econômica com o segurado e que afaste eventuais desvirtuamento na concessão desse benefício. Assim, com as propostas de alteração no pagamento da pensão por morte buscou-se adequar o regramento anterior a nova realidade da família brasileira em consonância com as modificações que estão sendo propostas para o RGPS."

Quanto a necessidade de alteração do cálculo do benefício de auxílio-doença, assim descreve a Exposição de Motivos: 

"12. Além dos ajustes nas regras de pensões, outras espécies de benefícios também vem apresentado um ritmo crescente das despesas. (...) Este benefício também possui distorções. Em primeiro lugar, o cálculo do valor deste benefício temporário é feita da mesma forma que aqueles de caráter permanente como, por exemplo, as aposentadorias, ou seja, se utilizando da média dos 80% maiores salários-de-contribuição desde julho de 1994 até o momento atual. Contudo, essa regra vem criando situações em que o valor do benefício fica acima do último salário do segurado, gerando um desincentivo para volta ao trabalho. Nesse sentido, torna-se recomendável o estabelecimento de um teto para o valor de benefício, mais especificamente, a média dos 12 últimos salários-de-contribuição."

Consideradas as razões acima explicitadas, faz-se imprescindível que as alterações legislativas sejam analisadas sob o prisma dos princípios que regem o sistema previdenciário brasileiro. 

Além disso, como será demonstrado a seguir, a autarquia previdenciária possui ferramentas para a consecução do fim de preservar a égide do sistema previdenciário e elidir as possibilidades de fraudes e desvios dos benefícios. 

4. Dos instrumentos disponíveis pela Previdência Social para averiguação dos dados informados pelo segurado. 

O INSS possui, conforme anteriormente sinalizado, instrumentos específicos para averiguação de fraudes e erros de concessão e manutenção de benefícios, capazes de evitar as chamadas “distorções” do sistema previdenciário brasileiro. Nesse sentido, a adequada utilização dos referidos instrumentos fazem com que as alterações legislativas instituídas pela Lei nº 13.135/2015 não se justifiquem. 

A primeira ferramenta à disposição do INSS para consecução desse fim, foi instituída pela Orientação Interna INSS/DIRBEN nº 110, de 3 de março de 2005. O artigo 3º da referida Orientação Interna prescrevia os objetivos gerais do Monitoramento Operacional de Benefícios – MOB: 

Art. 3º -
§3º - O objetivo geral dos controles internos administrativos é evitar a ocorrência de impropriedades e irregularidades, por meio dos princípios e instrumentos próprios, destacando-se entre os objetivos específicos, a serem atingidos, os seguintes:
I – observar as normas legais, portarias, orientações normativas, resoluções, instruções normativas e o regimento interno;
II – assegurar, nas informações contábeis, financeiras, administrativas e operacionais, a exatidão, a confiabilidade, a regularidade e a oportunidade;
III – evitar o cometimento de erros, desperdícios, abusos, práticas antieconômicas e fraude;
IV – propiciar informações oportunas e confiáveis, inclusive de caráter administrativo/operacional, sobre os resultados e efeitos atingidos;
V – permitir a implementação de programas, projetos, atividades, sistemas e operações, visando à eficácia, a eficiência e a economicidade na utilização dos recursos; e
VI – assegurar a aderência das atividades às diretrizes, aos planos, às normas e aos procedimentos da área de benefícios. 

Posteriormente, a Resolução Interna nº 276/2013 revogou a norma acima indicada aprovando o Manual do Monitoramento Operacional de Benefícios (MOB). 

O chamado MOB constitui em verdadeiro processo administrativo, instaurado para apuração de irregularidades e fraudes. Através do referido procedimento, o servidor da autarquia previdenciária realiza uma análise dos documentos acostados no processo administrativo e pode determinar a realização de diligência para apuração dos fatos alegados em denúncia ou requisitar documentos complementares. 

Este processo administrativo que visa a apuração de fraude ou irregularidade deve obedecer à ampla defesa e contraditório, nos termos da Constituição Federal de 1988, devendo o segurado beneficiário ser notificado para apresentação de defesa. 

Conforme ensinam ADRIANO MAUSS e ALEXANDRE SCHUMACHER TRICHES: 

"Após transcorridos todos os procedimentos de apuração de irregularidade e de recurso administrativo sem que o segurado tenha logrado êxito, ou seja, tenha sido constatado, efetivamente, que ocorreu uma irregularidade, o valor recebido indevidamente deverá ser devolvido. Esses procedimentos de cobrança devem ser realizados pela APS responsável pelo processo de Monitoramento Operacional de Benefícios."

Nesse contexto, impende trazer a redação da Súmula 160 do extinto Tribunal Federal de Recursos “A suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo”. 

Nesse sentido, segue a lição de DANIEL MACHADO DA ROCHA e JOSÉ PAULO BALTAZAR JÚNIOR: 

"Com efeito, a fim de verificar a regularidade dos benefícios concedidos, é imprescindível que o Instituto mantenha programas de revisão a fim de que possam ser plotadas as fraudes cometidas contra a previdência. Em tais casos, entretanto, deverá ser oportunizada a defesa dos beneficiários mediante regular procedimento administrativo."

Dessa forma, concluímos que a autarquia previdenciária possui ferramentas para apuração de fraudes e irregularidades, distorções essas que geraram a necessidade da publicação da nova lei. 

Portanto, as alegações que justificaram as alterações previdenciárias jamais poderiam gerar mudanças prejudiciais aos segurados, parte mais frágil nessa relação, tendo em vista o poder fiscalizador investido ao INSS para a busca da verdade em seus procedimentos administrativos. 

Além disso, da mesma forma que aplicado ao processo trabalhista, faz-se imprescindível que seja reconhecida a hipossuficiência do segurado em relação ao INSS e seja aplicado o Princípio In Dubio Pro Misero nas relações previdenciárias como forma de relativizar a presunção de má-fé do segurado nos requerimentos de benefícios. 

5. Conclusão. 

Conforme vimos no presente artigo, o INSS possui instrumentos suficientes para aferição de irregularidades e fraudes eventualmente realizadas para a finalidade de concessão de benefícios previdenciários. 

Além disso, deve-se observar neste debate que o segurado não está em grau de igualdade com a autarquia previdenciária, o que gera um desequilíbrio nesta relação. Assim, sustentamos a aplicação do princípio in dúbio pro misero nas relações previdenciárias, em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 

Sem embargo, as modificações do nosso sistema previdenciário configuram um retrocesso social e afrontam, igualmente, o princípio da boa-fé objetiva, comum na relação com a Previdência Social. 

Portanto, considerando as razões expressas na Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 664/2014, concluímos que a ação adequada para o combate às distorções apontadas seria a simples aplicação e a utilização eficaz dos instrumentos já existentes nas disposições normativas internas do INSS, capazes de evitar as alegadas fraudes e irregularidades. 

6. Referências Bibliográficas. 

BRASIL. Lei nº 13.135 de 17 de junho de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13135.htm Acessado em: 27/07/2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação rescisória 1.298/SP. Autor: Santa Domine Antoniassi. Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 26/05/2010. Publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 28/06/2010.
BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. Súmula 160. A suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário, não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo. Publicado em 13/06/1984. Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/75/TFR/160.htm Acessado em 27/07/2015.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de Lei e outras preposições. MPV 664/2014. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=865929. Acessado em: 22/07/2015.
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. Resolução INSS/PRES Nº 276, de 1º de março de 2013. Publicado no Diário Oficial da União em 04 de março de 2013. Disponível em: http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/72/INSS-PRES/2013/276.htm Acessado em: 27/07/2015.
MAUSS, Adriano; TRICHES, Alexandre Schumacher. Processo Administrativo Previdenciário: Prática para um processo administrativo eficiente. Caxias do Sul/RS : Editora Plenium, 2014.
ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 10ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.
SCHIAVI, Mauro. Provas no Processo do Trabalho. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2011
WALDRICH, Rafael Schimidt. Previdência Social & Princípio da Boa-fé Objetiva. Curitiba/PR: Editora Juruá, 2014.

quinta-feira, 9 de abril de 2015




A importância de um planejamento previdenciário.

Uma das maiores preocupações do nosso governo atualmente é o envelhecimento da população brasileira. Tal situação reflete diretamente na questão previdenciária, uma vez que, com a baixa taxa de natalidade, cada vez menos pessoas ingressam no mercado de trabalho.

Além disso, em razão da necessidade flagrante de melhor qualificação, os jovens costumam dedicar longos anos de vida ao estudo. Por conseguinte, esses novos profissionais acabam entrando no mercado de trabalho formal tardiamente, se comparado à época dos seus pais e avós que iniciavam a vida profissional ainda na fase da adolescência.

Frisa-se, ainda, que apenas uma pequena parcela desses novos profissionais ingressa no mercado de trabalho como empregado, com carteira de trabalho assinada e garantia aos direitos trabalhistas. Nesses casos, a aposentadoria pelo regime geral, paga pelo INSS, está garantida, considerando que é obrigatório o recolhimento das contribuições previdenciárias pela empresa empregadora.

No caso dos profissionais liberais (advogados, fisioterapeutas e dentistas, por exemplo), a preocupação com o planejamento previdenciário acaba ficando, invariavelmente, para um segundo ou terceiro momento.

Tal situação é preocupante, uma vez que a legislação previdenciária está em constante modificação e, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não basta completar uma determinada idade para a garantia de uma aposentadoria, mas sim, deve-se aliar a isto, o requisito tempo de contribuição.

Atualmente, para o trabalhador urbano, é possível a aposentadoria por idade aos 65 anos para o homem e aos 60 para a mulher. Contudo, além do critério idade, é necessário que o segurado possua 15 anos de contribuição ao INSS (ou cento e oitenta contribuições, de acordo com o texto legal). Aquele que não possuir esses quinze anos, não terá direito ao benefício da aposentadoria.

Aqui, importa registrar que o sistema previdenciário é contributivo, não fazendo jus ao recebimento de qualquer quantia aquele cidadão que não tenha financiado o sistema.

Dessa forma, é de suma importância uma conscientização da população da necessidade de um planejamento previdenciário, especialmente voltada para os empresários e profissionais liberais, integrantes da categoria de contribuintes individuais do regime geral.

Além do regime geral, existem inúmeras previdências privadas, que possibilitam um planejamento de renda na velhice e atuam como um seguro para eventos inesperados, como doença, invalidez e morte. Inúmeras são as vantagens que um plano de previdência oferece. A maior delas é a tranquilidade de manutenção da fonte de renda no momento em que acabam as forças de trabalho.

Assim, diante das considerações sobre a importância de realização de um plano de previdência, seja ele geral ou complementar, cabe a cada leitor o questionamento sobre o seu futuro e da necessidade de um planejamento previdenciário como forma de substituição de renda na velhice.


Andressa Abreu da Silva, Advogada.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Breves exposições sobre as alterações na legislação previdenciária introduzidas pela MP 664/2014.


A Medida Provisória n° 664/2014, publicada no DOU em 30.12.2014, introduziu uma série de modificações na Lei n° 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social) que atingem diretamente a grande maioria dos segurados.

As principais inovações da medida provisória se referem aos períodos de carência, requisitos para obtenção e forma de cálculo dos benefícios de pensão por morte e por incapacidade.

No que se refere ao período de carência, a norma instituiu o prazo de vinte e quatro contribuições mensais para a concessão de pensão por morte, salvo nos casos em que o instituidor estava em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, bem como no caso de acidente do trabalho e doença profissional ou do trabalho.

Em que pese o silêncio da medida, o mesmo período de carência deverá incidir sobre o benefício de auxílio-reclusão, uma vez que a Lei n° 8.213/91 confere aos dois benefícios o mesmo tratamento e a MP 664/14 não o incluiu dentre os benefícios que independem de carência para sua concessão.

Ainda quanto à pensão por morte, a MP 664/14 inovou dispondo que não terá direito ao benefício o condenado pela prática de crime doloso que tenha causado a morte do segurado.

Além disso, para o cônjuge ou companheiro fazer jus ao benefício, deverá comprovar a existência de pelos menos dois anos de união com o instituidor, salvo nos casos de óbito decorrente de acidente posterior ao casamento ou ao início da união estável ou, ainda, quando o cônjuge ou companheiro seja considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência por motivo de doença ou acidente.

O valor mensal da pensão por morte será equivalente a cinquenta por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela que teria direito a receber no caso de aposentadoria por invalidez. Sobre esse percentual será acrescido 10% de cota individual para cada dependente, sendo no máximo de cinco.

Em que pese todas as alterações já expostas, dentre as mais significativas, está a implementação de prazo para duração da pensão por morte devida ao cônjuge ou companheiro, que varia entre 03 a 15 anos, conforme a expectativa de sobrevida do dependente no momento do óbito do instituidor.

A pensão vitalícia será devida apenas ao dependente que seja considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta subsistência, comprovada através de exame médico pericial, ou aquele cuja expectativa de sobrevida seja menor ou igual a 35 anos, considerada a Tábua Completa de Mortalidade do IBGE vigente em 2015.

Por outro lado, no que concerne aos benefícios por incapacidade, os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez só independem de carência nos casos já previstos em lei, conforme doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social. Neste ponto, a MP 664/14 apenas alterou a redação do inciso II do artigo 26 da Lei n° 8.213/91, que anteriormente previa que a lista deveria ser elaborada a cada três anos pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social.

A partir de março do corrente ano, o cálculo da renda mensal inicial do benefício de auxílio-doença deverá ser composto pela média aritmética simples dos últimos doze salários de contribuição, inclusive no caso de remuneração variável. Caso não seja alcançado o número de doze, o cálculo será feito com a média simples dos salários existentes.

A data de início da aposentadoria por invalidez também foi modificada pela MP 664/14, que instituiu que a mesma será devida ao segurado empregado a partir do trigésimo dia, caso requerida antes de decorrerem quarenta e cinco dias de afastamento, caso em que será considerada a data do requerimento.

A mesma previsão é dada para o benefício de auxílio-doença, ficando a cargo da empresa o pagamento dos primeiros trinta dias de afastamento. Aos demais segurados, o benefício terá a data inicial fixada no primeiro dia de afastamento.

A maioria das referidas modificações entram em vigor a partir de março de 2015.